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‘Não adianta colocar câmera caríssima no peito do policial e não dar qualificação para usar’

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Foto: Philippe Lima/Governo do Rio

O uso de tecnologia para aprimorar o combate à criminalidade e facilitar o trabalho de segurança pública está se tornando cada vez mais comum. No entanto, a forma como essa tecnologia está sendo utilizada ainda deixa a desejar. É o que afirmam pesquisadores da Escola de Direito da FGV Rio, que conduziram um estudo baseado em entrevistas com gestores e agentes públicos das forças de segurança, além de mais de duas mil reportagens da grande mídia.

“Uma coisa que a pesquisa mostra claramente é que investir em tecnologia, por si só, não resolve os problemas,” diz Fernanda Prates, uma das responsáveis pelo estudo.

A pesquisadora analisou os efeitos da implementação das câmeras corporais na polícia do Rio de Janeiro após uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), os mecanismos de integração das agências de segurança e o que pode ser feito para que o Estado se beneficie das ferramentas tecnológicas.

Como você vê o uso das câmeras corporais nas fardas da polícia? É uma tecnologia que veio para ficar?

O que chama a atenção é a importância de treinar o uso dessas tecnologias. Não adianta equipar o policial com uma câmera cara, uma tecnologia nova, se ele não recebe a qualificação necessária para usá-la.

Especialmente na Polícia Militar, alguns entrevistados mencionaram o medo de usar e quebrar a tecnologia. Além disso, muitos policiais têm receio da fiscalização. A câmera corporal traz a sensação de estar sendo monitorado, o que pode gerar um transtorno inicial, principalmente para aqueles que ultrapassam a legalidade.

O treinamento dos policiais inclui o uso das câmeras?

Sim. Não é apenas equipar com a câmera; é necessário ensinar a carregar, operar o botão para começar a gravação, e gerenciar o armazenamento das imagens. A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro tem encontrado dificuldades para acessar as filmagens das câmeras corporais. Não adianta gravar se o material não está disponível para as partes interessadas.

Governadores, como o do Rio (Cláudio Castro, do PL), são a favor das câmeras, mas contra seu uso em incursões. Como você vê esse comentário?

A câmera corporal está em uso em vários países há anos e não acredito que revele questões táticas prejudiciais. O argumento de que atrapalha a segurança pública não é válido. As imagens não são amplamente divulgadas na mídia, e a câmera deve estar presente especialmente em ações que geram muitos mortos.

Estudos mostram que o uso de câmeras corporais pode reduzir a letalidade policial e a violência em geral. Ambos, policiais e cidadãos, sabendo que estão sendo filmados, tendem a agir com mais cautela.

O uso de câmeras nas fardas é um caminho sem volta?

Sim, acredito que é um caminho sem volta, mas é necessário pensar em como isso está sendo implementado. No Rio de Janeiro, a introdução das câmeras foi muito rápida, resultando em problemas no uso adequado.

Como o Brasil se insere em termos de segurança pública e tecnologia?

O Brasil tem avançado no uso de tecnologia tanto na segurança pública quanto na persecução penal e investigação criminal. No entanto, a introdução rápida dessas tecnologias exige que se pense em como os atores estão lidando com isso. A integração entre as forças de segurança ainda enfrenta desafios, como a falta de compartilhamento de dados.

E o uso de reconhecimento facial? Há preocupações com o viés racial?

O reconhecimento facial é criticado mundialmente por seu viés racial, apresentando uma taxa de erros mais alta para pessoas não brancas. Além disso, a eficácia dessa tecnologia em prisões de procurados é questionável. A falta de transparência no uso desses dados é uma preocupação significativa.

Em termos de custo-benefício, investir mais em tecnologia é mais interessante do que investir em efetivo?

A curto prazo, pode parecer mais vantajoso investir em equipamentos diários, como viaturas, mas a médio e longo prazos, o investimento em tecnologia é mais inteligente. Tecnologias que permitem o planejamento e a inteligência na segurança pública podem preservar vidas, tanto de policiais quanto de cidadãos.

Fonte: Estadão

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