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Como a Força Aérea dos EUA usou o Tinder do Oriente Médio para amedrontar o Líbano
Na semana passada, surgiu online um aviso em árabe, acompanhado de imagens de aviões de guerra dos EUA: “Não peguem em armas contra os Estados Unidos ou seus parceiros”, alertava a mensagem, destacando que os EUA “protegerão seus aliados contra as ameaças do regime iraniano e seus representantes”. Para reforçar o recado, o Comando Central declarou estar “totalmente preparado” para utilizar aeronaves F-16 e A-10 “atualmente na região”.
Com o aumento das tensões em torno de um possível conflito entre o Irã e seus aliados contra Israel e seus apoiadores, esse tipo de aviso direcionado a jovens insatisfeitos no Oriente Médio não é exatamente surpreendente. O que chamou a atenção, no entanto, foi a plataforma escolhida para veiculá-lo: o Tinder.
O anúncio no aplicativo de encontros, conhecido por expressões como “arrastar para a direita” (para aprovar um match) e “arrastar para a esquerda” (para rejeitar), levantou novas questões sobre as operações de informação online do Exército dos EUA, que têm como objetivo influenciar as opiniões de públicos estrangeiros e combater narrativas enganosas promovidas por adversários.
Parte de uma campanha mais ampla de operações psicológicas ou de suporte de informação militar, o anúncio foi criado pelo Comando Central (Centcom), conforme revelou um oficial dos EUA familiarizado com o caso, que falou sob condição de anonimato devido à sensibilidade do assunto. O anúncio era uma ameaça explícita de que o Pentágono tomaria medidas caso o Irã ou seus representantes ameaçassem os EUA ou seu aliado Israel. Para alguns especialistas, foi um aviso extraordinário, mas visto como mal executado, lembrando que, em abril, as forças americanas ajudaram a derrubar dezenas de drones e mísseis iranianos.
O Comando Central não comentou o caso, alegando que geralmente não discute operações de informação. O Pentágono também não fez comentários sobre o anúncio específico. Um oficial de defesa afirmou ao Washington Post que o Departamento de Defesa realiza operações de informação militar em apoio às prioridades de segurança nacional, sempre em conformidade com a lei dos EUA e as políticas do Departamento de Defesa, comprometendo-se a aplicar as devidas salvaguardas.
Após o questionamento do Post, o Tinder removeu o anúncio, afirmando que violava suas políticas em relação a mensagens violentas e políticas, segundo Philip Fry, porta-voz da empresa. O jornalista freelancer Séamus Malekafzali, residente no Líbano, relatou que encontrou o anúncio ao abrir o Tinder e, ao arrastar para a direita, foi redirecionado para uma publicação do Comando Central na plataforma X (anteriormente Twitter), que continha uma mensagem similar em árabe sobre a presença de aeronaves de ataque na região. Malekafzali publicou capturas de tela do anúncio na X, gerando grande repercussão. Timothy Kaldas, vice-diretor do Instituto Tahrir para Política do Oriente Médio, questionou: “Quem aprovou isso e qual era o nível de cada um na hierarquia de comando?”
Um oficial de operações psicológicas dos EUA criticou a eficácia da iniciativa, dizendo que não parecia uma abordagem muito eficaz e que a mensagem era apenas um recado do tipo “não se metam comigo”. Outro oficial dos EUA, de forma bem-humorada, comentou: “O nome disso é ‘ir ao encontro das pessoas onde elas estão’”.
Para Gittipong “Eddie” Paruchabutr, um oficial da reserva de operações psicológicas do Exército, a mensagem poderia ser eficaz se fosse parte de uma campanha de longo prazo, apoiando uma política contínua, e não apenas uma compra avulsa de anúncio. No entanto, ele considerou o Tinder uma escolha inadequada de canal, supondo que o público-alvo, composto por homens em idade militar, provavelmente seja um grupo muito pequeno de usuários do aplicativo. Paruchabutr sugeriu que uma abordagem mais eficaz seria identificar os locais ou plataformas online que esse público-alvo frequenta, como grupos fechados no Facebook ou contas no Telegram.
O Centcom frequentemente utiliza terceiros para criar e disseminar mensagens para públicos específicos, utilizando várias ferramentas para identificar as plataformas mais adequadas. Em 2022, após empresas de mídia social removerem contas suspeitas de serem criadas por militares dos EUA, o Pentágono realizou uma auditoria abrangente de suas operações psicológicas clandestinas, resultando em políticas mais rígidas para o uso dessas operações, agora exigindo aprovação de altos funcionários do Pentágono, da CIA e do Departamento de Estado. Com essas mudanças, a prática de usar contas falsas para influenciar públicos estrangeiros foi drasticamente reduzida.
Embora o anúncio do Tinder não pareça ser parte de uma campanha clandestina, o logotipo do Centcom estava claramente visível. Todas as campanhas de operações psicológicas militares, sejam abertas ou secretas, seguem um processo de aprovação conforme a política estabelecida pelo Pentágono. Essa política define os objetivos, os públicos-alvo e as circunstâncias em que uma campanha deve ser coordenada com outras agências do governo dos EUA.
Para Paruchabutr, o anúncio no Tinder foi um “erro não forçado” e reflete uma falta de profissionalismo. Ele acredita que, para combater eficazmente os adversários no espaço da informação, são necessários profissionais mais treinados e líderes que assumam a responsabilidade quando erram.
Fonte: Estadão