O ministro Alexandre de Moraes ordenou o bloqueio das contas de uma empresa, argumentando que tanto o X (anteriormente conhecido como Twitter) quanto a Starlink fazem parte de um “grupo econômico de fato” liderado pelo bilionário Elon Musk. De acordo com o ministro, a medida visa garantir o pagamento de dívidas da rede social com a Justiça brasileira. No entanto, o X pertence à empresa X Holdings Corp, enquanto a Starlink está vinculada à Space Exploration Technologies Corp, ou SpaceX. A Starlink possui 215 mil clientes no Brasil, incluindo as Forças Armadas e escolas públicas (detalhes abaixo).

Embora Musk seja o principal acionista de ambas as empresas, ele atua como CEO apenas da SpaceX, enquanto na X Corp. ele ocupa a posição de presidente do conselho de administração. Linda Yaccarino é a CEO da X Corp.

A professora Eliana Franco Neme, especialista em direito constitucional, explica que é possível bloquear o patrimônio de uma empresa para quitar as dívidas de outra, em casos de desconsideração da personalidade jurídica. Isso ocorre quando a separação entre a pessoa jurídica e seus sócios é ignorada para atingir bens pessoais ou de outras empresas para pagar as dívidas da empresa processada. No entanto, essa é uma medida excepcional e deve ser fundamentada em confusão patrimonial ou fraude.

“Às vezes, uma empresa alega não ter patrimônio, enquanto seus sócios possuem bens consideráveis. Quando se identifica uma tentativa de evitar uma decisão judicial, o Judiciário pode desconsiderar a personalidade jurídica da empresa e ir atrás dos bens dos sócios. Normalmente, quem responde é a pessoa jurídica devedora”, explica a especialista.

Segundo o professor Flávio Luiz Yarshell, da Universidade de São Paulo (USP), seria necessário examinar a decisão de Moraes para entender se ele fundamentou a medida com base em indícios de fraude. Yarshell observa que não é comum estender a responsabilidade por dívidas de uma empresa para outra, mas ressalta que, em casos excepcionais de fraude, isso é possível.

Emanuel Pessoa, doutor em Direito Econômico pela USP, aponta que a desconsideração da personalidade jurídica pode ocorrer quando se acredita que um sócio está usando uma empresa para ocultar patrimônio. Ele especula que o bloqueio dos bens da Starlink por Moraes foi uma forma de garantir o pagamento das dívidas do X, já que a Starlink tem receitas no Brasil. No entanto, Pessoa ressalta que o procedimento correto seria intimar Elon Musk por meio de uma carta rogatória, que envolve a cooperação de uma justiça estrangeira para a execução de sentenças.

Andre Marsiglia, advogado constitucionalista e especialista em liberdade de expressão, criticou a decisão de Moraes, afirmando que ela não seguiu os procedimentos processuais adequados. Marsiglia argumenta que a extensão da responsabilidade do X para a Starlink deveria ter sido feita com perícia e garantido o direito ao contraditório para Elon Musk. Ele alerta que a decisão cria um precedente que pode colocar o Brasil em um “mapa de risco para investidores estrangeiros”, que poderiam ter suas empresas atingidas por decisões monocráticas.

Após a decisão de Moraes, Musk desencorajou investidores estrangeiros, declarando que “o Brasil agora é uma ditadura” e que o país “não é mais seguro” para acionistas.

A Starlink, que foi afetada pela decisão, tem atualmente 215 mil clientes de banda larga no Brasil, incluindo órgãos públicos como escolas e as Forças Armadas. A Rede Nacional de Pesquisa (RNP), ligada ao governo federal, é um dos clientes, além de um projeto-piloto financiado com recursos do leilão do 5G. Inicialmente, esses contratos não serão afetados, mas em médio prazo pode haver impactos no pagamento de fornecedores. A Starlink confirmou o bloqueio de suas contas e declarou que continuará prestando serviços “gratuitamente, se necessário”, apesar das dificuldades para cobrar as faturas.

Fonte: Estadão